De modo inconteste, não obstante ser o Brasil considerado o “País do futebol”, não mais convém adjetivar esta modalidade esportiva como sendo uma paixão nacional, eis que trata-se de uma febre mundial, uma pandemia que contagia todas os setores, classes e segmentos sociais em escala universal: Do erudito ao popular, do religioso ao ateu, da mulher ao homem, do patrício ao plebeu, da criança ao velho, do afro-indígena ao europeu.
Explicaria Sócrates ou Freud a desmedida comoção global em torno deste esporte popular (Será pelo fato de o mundo ser uma bola?) que envolve de forma quase que indissociável tanto os fatores positivos da fé, esperança, perseverança e superação, quanto as forças negativas da violência, do rancor, da rivalidade e do sadismo? (Salvo raríssimas exceções, é característico do brasileiro vibrar com as derrotas da seleção argentina, e vice-versa).
Em meio a estes devaneios todos a me torturar, foi que resolvi escrever este artigo, quando displicentemente me ocorreu um insight: Se, assim como na fase da memória primitiva (a partir de seis semanas depois da concepção), fosse cientificamente comprovada a possibilidade de se falar, por exemplo, em memória pré-conceptiva (Que para a minha própria conveniência seria a fase imediatamente prévia à concepção ou fecundação), poder-se-ia encontrar uma explicação bem original para a paixão universal pelo futebol, fazendo-se uma analogia dos jogadores que correm atrás da bola com os gametas masculinos (espermatozóides) disputando entre si o gameta feminino (óvulo). Nesta esdrúxula, mas (confessem) inteligente lógica comparativa, o espermatozóide que consegue fecundar o óvulo, equivale alegoricamente ao jogador que consegue marcar um gol.
Maluquice à parte, no que diz respeito a sua origem, relatos históricos dão conta de que na China Antiga os soldados chineses praticavam um jogo que consistia na formação de equipes após as guerras para chutar as cabeças de integrantes das tropas inimigas. Esta prática evoluiu com o tempo, quando as cabeças humanas foram substituídas por bolas de couro revestidas com cabelo. Por volta do século I a.C, os gregos e os romanos criaram um jogo praticado em terreno retangular, no qual utilizavam uma bola feita da bexiga de boi, contendo dentro areia ou terra.
No Brasil, o futebol foi introduzido pelo jovem paulistano de nome inglês, Charles Miller, que em 1894 retornava da Inglaterra, onde havia estudado, trazendo para cá as regras e as técnicas deste esporte que mais parece ser genuinamente nosso que d’outras plagas.
Assim, desde as conquistas das copas de 1958 e 1962, o Brasil emergiu como uma potência nesta seara esportiva, ficando mundialmente batizado como o “país do futebol”, máxime com a notoriedade alcançada por Pelé, a quem o mundo consagrou com os títulos de “Rei do Futebol” e “Atleta do Século”. Um dos fatos mais marcantes e emblemáticos da reverência e devoção de todo o mundo ao futebol, foi quando Pelé interrompeu uma guerra civil na África, em 1969. Neste dia, as forças rivais foram ao estádio para que pudessem vê-lo jogar pelo Santos FC.
Oswald de Andrade, em sua crônica Carta a uma torcida, entendia o futebol, no contexto sócio-político da década de setenta, como sendo uma válvula de escape; o novo ópio do povo em face das injustiças sociais impostas pelo capitalismo selvagem. Uma forma atualizada da expressão latina panis et circensis (política do pão e circo) praticada na Roma Antiga, em que o Estado buscava promover os espetáculos como um meio de manter os plebeus afastados da política e das questões sociais.
Em que pese a grande participação e interesse populares no universo do futebol, verifica-se aí a presença de aspectos que maculam e atentam contra a justiça social, os direitos humanos e os princípios da democracia, como respectivamente sejam: As astronômicas remunerações dos jogadores dos grandes clubes, comparados à média salarial dos cidadãos comuns dos países em geral; os delitos e vandalismos praticados pelas torcidas organizadas; a quase vitalícia permanência do cartola João Havelange por 24 anos na presidência da FIFA (1974 a 1998), bem como do seu ex-genro, Ricardo Teixeira, que por, iguais, 24 anos ficou no comando da CBF (mandato até a copa do mundo de 2014).
Neste meio campo, apresentam-se ainda os fatores éticos e mercadológicos, no contexto dos quais tanto agigantam-se as relações de consumo atreladas ao futebol (Sob a égide dos interesses da mídia), quanto não mais se vê um jogador encarar a bola como um prato de comida, um jogador colocar o coração no bico da chuteira, tampouco um jogador honrar fidelidade a um único clube, como à moda antiga.
Para o bem de todos e felicidade geral dos municípios, nesta partida entre aspectos bons X aspectos ruins do futebol, resta-nos o alento de que o mando de campo, sobretudo em época de Intermunicipal, fica em favor de muitos fatores positivos, tais como: Maior espontaneidade nos sorrisos (pelo menos enquanto a seleção do coração estiver ganhando); A elevação do espírito de patriotismo por parte dos torcedores em relação aos seus respectivos municípios; o propício clima de celebração e confraternização, sobretudo entre as famílias, amigos, atletas e profissionais de imprensa; uma maior diplomacia nas relações geopolíticas entre os municípios envolvidos.
Jogando no campo da concepção “romântica” acerca deste apaixonante esporte bretão (natural da Grã-Bretânia), cético que não sou, conclamo todos a torcermos para que nesta reta final e nos tantos outros Campeonatos Intermunicipais, o espírito do futebol sagre-se efetivamente um campeão, um vencedor, nunca nos seus aspectos mercadológicos, profanos, alienativos e de propensão ao ódio; mas sempre nas dimensões do lúdico, da integração, da união, do sagrado, da inclusão social, da educação e saúde físico-mental, da cultura, da arte, da promoção da alegria, da paz e do amor.
*Referências:
Toledo, Luiz Henrique. No país do
futebol (Descobrindo o Brasil). Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed. 2000.
Holanda, Bernardo Borges Buarque
de. O descobrimento do futebol: modernismo, regionalismo e paixão esportiva em
José Lins do Rego. Rio de Janeiro. PUC, 2003.
Dó Nascimento – 17/06/2010.
Texto
adaptado.